segunda-feira, 31 de maio de 2010

papel pautado.

carrego uma bomba no bolso
(vermelho)
que explode em tinta
letras
e linhas
como uma carta anônima

sábado, 29 de maio de 2010

crônica da sexta passada.

Óculos arregalados entraram na roda.

- Eu acho que nunca vi vocês por aqui antes. O que é que tem nesse cachimbo, hein? Dá um tapa, aí. Ah, isso é cannabis.

Têm que dançar.

- A gente paga o imposto que paga o salário do policial. Polícia mata bandido. Traficante mata devedor. Não faz sentido? O traficante de pedra mata o viciado que não pagou, ué. Viciado não sai matando e assaltando por aí, não é verdade? Não tô certo?

(das três vezes que fui assaltada, três foram por nóias)

- É, você tem razão, é. Viciado assalta sim. Mas da classe média, não. Quem fuma na classe média não assalta e nem mata. Vende tudo pra comprar, isso vende. Vende liqüidificador, tal. Mas polícia mata e a gente paga.

(e usuário de crack consegue se manter na classe média?)

- Olha, não tô entendendo o que é que você tá querendo dizer com isso, não.

Um corpo enrugado e magro se mexe nervoso dentro de uma jaqueta jeans grande demais.
Eu fui embora.

Quedas.

Aquele cheiro, a fumaça, a desidratação.
Tenho tanto a dizer a vocês, meus números 1, 2, 3 e, talvez, até ao 4 e ao 5.
Mas são coisas muito diferentes, muito diferentes para cada um.
Atrapalho-me com essa confusão de palavras.
São coisas muito diferentes mesmo, queridos.
Há a vontade de escorregar e a vontade de empurrar, vocês podem compreender?
(Não sei se são só 5, talvez sejam muito mais. Muito mais).
Essas coisas tão diferentes.
Estou me tornando repetitiva, números tantos?
É que essa variedade toda me confunde, confunde mesmo.
Acho que talvez eu não esteja entendendo aonde vocês querem chegar.
Eu, particularmente, não quero chegar a lugar nenhum, não.
Nenhum mesmo.
Está bom aqui, acho que está bom mesmo aqui.
Mas, então, há a vontade de escorregar e a de empurrar, sabe?
Mas são tantas quedas diferentes.
Talvez eu comece a gritar no meio do caminho, mas vocês não vão se incomodar.
Vão? Não, vocês não vão, não.
São tantos ouvidos e apenas um grito, acho.
Talvez dois gritos, um pouco mais.
Mas são muito, muito mais ouvidos.
Talvez eu queira uivar.
Uma lua em cada praça. Que tal?
Acho que alguns de vocês irão me acompanhar.
É, vão sim.
Eu estou sendo muito repetitiva, numerozinhos?
É que eu não consigo ir muito longe com as palavras, não consigo, não.
Talvez distração seja melhor do que desidratação.
Eu tinha pensado nisso antes, mas eu me esqueci.
É que seu rosto está tão seco, assim.
Tem alguma coisa a ver com química também, tem sim.
Mas não consigo me lembrar muito bem.
É, não consigo me lembrar.
Ah, sim! Sobre as quedas.
Várias quedas.
Acho que não consigo correr, aqui está tão bom.
Você pode ir mais devagar?
Não, não precisa me esperar, não.
É, nem está tão bom, mas está bom.
Não está?
As quedas, é, as quedas.
É verdade.
Já desliguei meu despertador.
Quero muito dormir.
Quero muito mesmo.
E aquele outro número?
Esqueci, esqueci o número.

Au au auuuuuuuuuu. Au au uuuuuuuuuuuu.

Sobre as quedas.
Não lembro, não.
Estou caindo de sono.
Outra hora eu tento, tento mesmo.
Mas não agora.

Auuuuuuuuuu.

(Eu caí uma vez e doeu).

segunda-feira, 24 de maio de 2010

noite de outro domingo.

- O adjetivo é terno, pro olhar.
- Acho um bom adjetivo.
- Não gosto da palavra, parece roupa.
- Não acho. Eu entenderia.
- Terno de ternura.
- Seu olhar é companheiro.

(Parece estar atento)

- Essa é uma das melhores combinações.
- Baseado e vinho.
- Um tira a acidez do outro.

( Eu não queria te descontrair)


- Menina, olha o carro!

- Acabei de ver a lua.
- Você também acha esse céu cinza demais?

- Menina, olha o carro!
- Menina o carro tá sendo roubado!

- Você ouviu isso? Lá longe.

(Crianças ainda gritam)


- Não se jogue no meio da rua.

- Menina com asas, ela tá indo embora.

(Que ódio dessas crianças
)

- Uma última frase.
- Uma última frase.
(Assim fica mais engraçado)


Mensagem salva como rascunho no meu celular, aproveitando a idéia da Ra - diálogo: Camila e Rodrigo (e as crianças chatas).

sábado, 22 de maio de 2010

lullaby.

seu nariz
branco de frio

fez cócegas no meu travesseiro


deita que
te cubro
meu gato mimado

(e canta os versos do seu miado
pra me fazer dormir)

sexta-feira, 21 de maio de 2010

em segredo.

eu te amo
você
como amo o som
dos meus pés descalços
que pisam o molhado

(te amo em segredo)
nas tardes de inverno

no jardim de palavras
que pintei e te dou

amo a tônica estranha
que reconheço em você
em sete letras que são
como sete cores ou sons

(te amo em segredo)
que espio atrás da porta

com as mãos pequenas e os
olhos de engolir o mundo
te amo como não se ama
na presença e na ausência

(te amo em segredo)
como só se ama escondido

na falta de ar
de quem deita ao seu lado
sem com a pele tocar
ou quem olha no espelho
sem conseguir enxergar

te amo como quem ouve
sua risada no escuro
ao redor de sussurros
de desconhecidas mil vozes

(eu te amo em segredo)
em outros tantos idiomas

eu te amo em segredo
nas chuvas atrasadas
ou nas chuvas estrangeiras
que nos espremem os braços

e nas linhas periféricas
das rugas do seu rosto
vejo seu corpo sorrir
dos meus pés à cabeça

(te amo em segredo)
dessa fresta de amor

f.

ferida felina ferina

terça-feira, 18 de maio de 2010

20setembro1994.

- E então você apareceu. Um tanto suja, pequena e indefesa.
- E você...?
- Foi isso.

- Foi isso. Você estava suja, pequena e indefesa. Eu não tinha mãos para te segurar.
- Você não me quis?
- É claro que te queria. Eu tinha esperado tanto. Mas...
- Mas...?
- Não dava.
- E então você me recusou.
- Não, eu te recebi na minha casa e te dei metade de tudo o que eu tinha.
- Mas o tempo passou.
- Ele sempre passa.

- Ele sempre passa e, às vezes, mais afasta do que aproxima.

(E agora você está perto e inalcançável e eu ainda não tenho mãos para te segurar. Você ainda é pequena e frágil. E a sujeira que te sujava era a mesma sujeira que um dia me sujou. Alguns anos antes. 4 anos antes. Nem mais suja, nem mais limpa. Simplesmente irmãs. Ainda que nós nunca venhamos a ter essa conversa).

segunda-feira, 17 de maio de 2010

noite de domingo.

- Pra onde a gente vai?
- Viver.
- Como assim?
- No Uruguai.
- Assim, no Uruguai?

(Não esquece de salvar)

- Onde a gente parou?
- No começo.
- Pode ser um só a dois?
- Não sei, a gente tá só tentando usar a mesma linguagem.
- Você me odeia?

(A outra pessoa mexe a cabeça afirmativamente)

- Quanto?



mensagem salva como rascunho no meu celular - diálogo: Camila, Raysa e Rodrigo.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

02.05.10 ou para Raysa.


foto: Raysa Fontana

Em cima do mar, o céu se estendia em arco-íris. Azul, roxo, rosa, laranja. A Ra diz: "Olha a cor do mar refletindo as nuvens". E enquanto ela retratava as cores, eu esboçava formas-letras de congelar essa felicidade. O improviso, o instantâneo, o imediato. Ía escurecendo aos poucos. Ventava com gosto de sal. O dia eterno que tentava acabar. E nós resistíamos - com toda a nossa força, ficávamos. Há um banco em frente à areia. Nossas costas são a barreira da noite. E então eu entendi o sensível das coisas - o amor que salta entre olhos azuis e verdes. E voa sob a maresia do futuro inverno. Do dia que acaba de acabar.


O Relato: "tô aqui na frente", foi o telefonema que recebi. No domingo curitibano, não achávamos refúgio. Aí surgiu a ideia: vamos para a praia. Combustível, dinheiro, vontade. Algumas horas até acharmos o litoral - chegamos em Itapoá e tudo era bonito e vazio. Só víamos dois pescadores. Distraídos, com baldes pequenos demais para peixes de um dia todo. Uma casinha de frente pro mar - abandonada pelos salva-vidas. Tarde de sol, muito sol. Nós estávamos tão felizes que, depois de fotos e textos, não existiam mais palavras. Apareceu uma coruja. Eu nunca tinha visto uma coruja de tão perto - e nem sabia que os olhos não eram tão grandes assim - e ela nos acompanhou mais uma, duas vezes. Tomei toddynho sentada de frente pro mar. Tão doce e tão salgado. Antes de anoitecer, o céu experimentou combinações de mil tons coloridos. Nuvens lindas que pareciam pintar uma tela imensa acima de nós. Estava chegando a hora de ir embora - ninguém sabia que estávamos lá e logo meu celular começaria a tocar desesperadamente. Mas não podíamos ir embora assim, sem mais nem menos. Molhamos os pés. O contato breve com a água foi fatal: não dava para resistir. Já estava escuro, praia deserta. Tiramos nossas roupas e afundamos. Eu não tomava banho de mar há anos - nunca me senti tão limpa. Infelizmente nós tínhamos de deixar pra trás aquele dia. Seguir a estrada, literalmente. Mas, de tão difícil que era, nossa resistência se camuflou ao engarrafamento. E foram tempos e tempos andando a 2km/h. Um deslizamento de barreira, a explicação. E meu celular tocando e tocando e eu sem a menor vontade de abandonar aquela sensação. Meu corpo ainda escorria, os cabelos molhados. Mas era inevitável, chegamos em Curitiba. Cheguei com a certeza de ter compartilhado, durante toda uma tarde, verdades.

p.s. I love you.